


A letra “o sol tá esquentando, então pode relaxar/empina o cachorro que eu mesmo vou passar”, do hit “Fio Dental”, de Mc Sheldon, Boco (em memória) e Dj Nando, nunca fez tanto sentindo quando no quintal da “Rose Bronze”, em Salgadinho, Olinda, em um sábado em que sol, estava uma verdadeira lua, e no relógio ainda batiam 7h40 da manhã. Mas, Ednalda e Ana já estavam posicionadas para receber a desejada marquinha de biquini, e pouco se importavam com o fervor do sol queimando peles. A marquinha era o toque que faltava para que se sentissem bem consigo mesmas antes de mandar bem no passinho na festa.
Diferente da música, que já passa das 3 milhões de visualização no clipe oficial, o comando não está na mão dos MC´s. Desta vez estava na mão de Rosilene Miranda de Barros, 43 anos. Além de empresária do ramo, é testemunha de um fenômeno que vai além da estética: o Brega Funk, que se tornou, também, uma força econômica nas comunidades periféricas do Grande Recife. O ritmo faz a economia das periferias girar, gerando emprego e renda não apenas para músicos, produtores ou dançarinos, mas tem o potencial de girar a microeconomia também a prestação de serviços de estética, como os de Rose Bronze.
Rose é um exemplo vivo do impacto do Brega Funk na economia da Região Metropolitana, pois ela encontrou no movimento sua fonte de renda. “Estava desempregada, vi a procura pela marquinha de fita crescendo entre as fãs do ritmo encontrei ali um jeito de manter minha família”, afirma a microempreendedora, dona do negócio desde 2019. Sua história reflete uma realidade mais ampla: de acordo com uma pesquisa do Persona Favela, 60% dos negócios nas favelas são liderados por mulheres pretas, como Rose. Ela é a prova que o brega ‘gera’: gera a renda que ajuda nas contas de casa.



A empreendedora contava com a ajuda da filha Thaynara Miranda, 25, no ínicio do negócio. Mas, com a partida dela para Portugal, Rose optou por seguir sozinha, trabalhando com uma agenda reduzida de atendimentos, para conseguir manter a qualidade do trabalho e a fidelidade das clientes. “Se eu atender muita gente, não vou conseguir dar atenção que cada uma merece. Para a marquinha ficar bem feita, precisa de um olhar mais cuidadoso. Quando Thay ainda estava aqui, eu abria para gente, mas, hoje, tenho que abraçar essa realidade”, contou. Rose afirmou ainda que prefere trabalhar sozinha pois, “eu sei o jeito que faço, e já penso que a outra pessoa não teria o mesmo cuidado. Só penso no estresse que teria, prefiro nem testar”. A agenda de Rosilene conta com 20 fiéis clientes que sempre retocam sua marquinha naquele mesmo quintal de salgadinho, mas, a média de atendimento mensal fica na faixa de 30.
Mas, o negócio da olindense é um pequeno trecho da grande letra que o brega funk dá na economia pernambucana.
O movimento brega funk pode ser considerado um arranjo produtivo, uma cadeira com diversos setores e um mercado que aquece especialmente negócios locais, geralmente nas periferias. São Mc’s, dançarinos, comunicadores, produtores, barbeiros e demais até empreendedores do setor da beleza que fazem parte da indústria que movimenta a economia da Região Metropolitana do Recife desde 2018, quando houve uma explosão metropolitana do ritmo.
É difícil encontrar dados precisos ou mais recentes sobre o impacto do brega-funk na economia criativa local, visto que o movimento recebe pouco do olhar da mídia. No documentário Capital do Brega, exibido pela TV Globo em 2018, estimativa-se que 400 artistas vivessem do ritmo na capital pernambucana, além de 60 casas de shows e a perspectiva de que o ritmo respondesse por 70% do show business em Pernambuco, de acordo com o produtor Fábio Tenório.
E, se tem brega funk, tem beleza envolvida e tem cabelo na régua. Ficar com o corte de cabelo em dia é o que também levanta a autoestima de diversos jovens de periferia e Anderson Alves, de 23 anos, é quem levanta o pique dos meninos em sua barbearia, localizada no Curado, Jaboatão dos Guararapes, com um trabalho que transforma cabelo em arte. Para deixar o clima fluir antes de cada corte, Anderson coloca uma playlist de brega funk para distrair os clientes que aguardam sua vez.
“A cena do Brega Funk é muito mais do que o que se vê nos palcos. É um ecossistema econômico que se ramifica por diversas atividades, desde salões de beleza até eventos locais. Os artistas são apenas a ponta do iceberg”, destaca Anderson Alves, que abriu o negócio em 2021 e chega a faturar em média R$3000.
Para entender a força vital dos pequenos empreendedores nas favelas, a professora e economista Ana Cláudia Laprovítera explica como esses negócios contribuem para o desenvolvimento econômico local.
“O componente estético importa muito. O cidadão da periferia é conectado, digital e móvel. Esse é um perfil diferente, mais ligado à cultura local. O Brega Funk, nesse contexto, não é apenas um gênero musical, mas uma expressão cultural que se conecta com a realidade dessas comunidades”, explica a economista.
“Os pequenos empreendimentos nas favelas não são apenas uma resposta ao desemprego, mas também um colchão de amortecimento em períodos de crise. Hoje, metade dos moradores de favelas estão envolvidos em empreendimentos, impulsionando não apenas a economia, mas também a dinâmica social e a autoestima”, destaca Ana Cláudia.
Ela continua abordando os desafios enfrentados pelos empreendedores locais, destacando a falta de capital como a maior dificuldade para 55% deles. No entanto, ela ressalta que, apesar desses desafios, há uma dinâmica interna de produção e consumo nas favelas, impulsionada pela internet, que está transformando a economia local.
A relação entre o movimento cultural do Brega Funk e o crescimento de setores específicos não pode ser ignorada. Watheley Jeronimo da Silva, conhecido como WT na Base, compartilha sua experiência como produtor musical autodidata. Ele destaca como o componente estético importa, influenciando não apenas a música, mas também os negócios voltados para a estética promovida pelo movimento.
“O Brega Funk sempre esteve na minha vida. A cultura local, os shows, os bailes na Ilha do Maruim, em Olinda, onde cresci, moldaram minha paixão pela música. Sou autodidata, aprendi a fazer beats com um computador antigo que minha mãe me deu com muito esforço. Hoje, a música é minha vida profissional”, conta WT na Base.
“O brega funk é um fenômeno cultural que vai além da música. Ele influencia o estilo de vida. As pessoas querem se identificar isso traz uma responsabilidade maior para a gente. Tem criança que escuta e vai crescer ouvindo aquela letra. Eu falo isso porque foi o que aconteceu comigo. Mas isso cria oportunidades de negócios diferentes, e tem muita gente que vai para o lugar onde o dinheiro está indo”, afirma o produtor.
“Eu cresci em meio a muita música, mas não achava que ia trabalhar com isso. Mas, acho que começar a criar beats foi o que me salvou. Não me imagino fazendo outra coisa. E essa é a fonte das minhas roupas boas, de poder comprar um lanche que quero a qualquer hora, da minha moto. Se me perguntasse há alguns anos se eu teria tudo isso por causa do brega, eu ia duvidar, mas é o mais real que eu poderia ter”.
Os desafios enfrentados pelos empreendedores
Em relação ao potencial de crescimento dos negócios nas favelas, Ana Cláudia é otimista. Com 423 favelas e 17,9 milhões de habitantes no Brasil, os moradores movimentam uma renda própria de R$202 bilhões por ano, grande parte consumindo localmente, segundo o DataFavela. Outra pesquisa do instituto afirma que 7 em cada 10 moradores que pretendem abrir um negócio planejam fazê-lo dentro da favela.
“O potencial de crescimento é gigantesco. Os negócios dentro das favelas têm um mercado cativo, e os empreendedores estão conectados com a dinâmica local. Isso não só reduz o desemprego, mas também contribui para a economia regional de uma forma significativa”, destaca Ana Cláudia. “Os pequenos empreendimentos nas favelas são essenciais para amortecer o impacto do desemprego e das crises. Atualmente, 50% dos moradores de favela são empreendedores, somando 5,2 milhões, sendo que apenas 37% têm CNPJ”,completa.
A possibilidade de gerar renda com o brega funk é tão diversa que tem gente gerando receita com vídeos nas redes sociais. É o caso de Aleff Soares, um dançarino de Brega Funk do bairro do Jordão, no Recife. “Comecei a postar vídeos de dança em 2021, e tudo mudou. O Brega Funk não é apenas um movimento cultural, é uma fonte de renda. Através das redes sociais, consegui oportunidades de trabalho que antes pareciam distantes”, conta Allef.
“O Brega Funk mudou minha vida. As pessoas reconhecem meu trabalho, e isso me proporciona oportunidades. Além da dança, também estou explorando outras formas de contribuir para o movimento, seja na produção de conteúdo ou participando de clipes e shows. Tudo isso me proporciona uma renda, mas acima de tudo um amor pelo que faço”, destaca Aleff.
As batidas envolventes ecoam não apenas nas pistas de dança, mas também nos pequenos negócios que moldam a vida cotidiana das comunidades. O Brega Funk não é apenas um gênero musical; é um movimento cultural que ressoa nas ruas, nos salões e nos empreendimentos, redefinindo a narrativa da região e impulsionando uma onda de transformação econômica e social. O ritmo que move o corpo também move a economia e pulsa os altos da cidade.